segunda-feira, 11 de junho de 2012

sobre liberalismo, agência e escolhas das mulheres

"Era uma vez, no início desta onda do feminismo, existia um consenso de que as escolhas das mulheres eram construídas, sobrecarregadas, emolduradas, debilitadas, constrangidas, limitadas, coagidas, formatadas, etc. pelo patriarcado. Ninguém propôs que isso significasse que as escolhas das mulheres são determinadas, ou que as mulheres eram passivas ou vítimas desamparadas do patriarcado. Isso era porque muitas mulheres acreditavam no poder do feminismo para mudar as vidas das mulheres e, obviamente, as mulheres não poderiam mudar se elas fossem socialmente determinadas nos papéis ou fossem massas maleáveis nas mãos dos patriarcas. Nós até falamos sobre maternidade compulsória e, sim, heterossexualidade compulsória! Nós falamos sobre as maneiras nas quais mulheres e jovens garotas eram calejadas na prostituição, acomodando a si mesmas no espancamento masculino, e eram canalizadas em empregos mal pagos e sem saída. E a mais moderada entre nós falou sobre a socialização do papel sexual. As mais radicais escreveram manifestos detalhando a construção patriarcal da opressão das mulheres. Mas a maioria de nós concordava que, chameo-o como quiser, as mulheres não estavam simplesmente “livres para ser eu e você”.
O tempo passou, e veio acoplada essa visão mais “matizada” do feminismo. Ela nos disse para prestarmos atenção à nossa linguagem de mulheres como vítimas. Mais mulheres foram para escolas profissionais e de graduação, tornarnaram-se “mais inteligentes”, foram recebidas no tribunal, foram para a academia, e se tornaram especialistas em indispostos tipos de campos. Elas compartilharam do poder que os deuses masculinos tinham criado e “viram que isso era bom”. Elas começaram a dizer coisas como “… Um grande cuidado necessita ser tomado para não retratar mulheres como incapazes de decisões responsáveis” (Andrews, 1987: 46).
Algumas mulheres acreditaram serem estas palavras familiares, que elas haviam as ouvido antes, mas as analistas do discurso feminista não pareciam particularmente interessadas em registrar o retorno ao que as feministas “antiquadas” classificaram como o discurso liberal patriarcal. Elas disseram que isso era chato e fora de moda e, além do mais, as mulheres já ouviram o suficiente disso, e era depressivo. Não vamos ser simplistas e culpar os homens, elas disseram, uma vez que essa análise “oferece tão poucos pontos de alavancagem para a ação, tão poucos pontos de entrada imaginativos por visões de mudança” (Snitow e outro/as, 1983: 30)."


(...)

"‎Com a “vinda da idade” desta onda particular do feminismo, nós temos visto um deslocamento do radicalismo feminista ao liberalismo feminista. Esse liberalismo feminista é tanto causa quanto efeito da chamada pró-pornografia feminista e dos movimentos libertários sexuais feministas. O liberalismo sexual que tem vindo a ser definido como “feminismo”, nós estamos agora testemunhando novamente na esfera reprodutiva. Existem várias comparações que podem ser feitas entre liberais sexuais e reprodutivos, especialmente em suas reinvindicações da pornografia e das novas tecnologias reprodutivas. Eu quero iluminar uma dessas comparações aqui, especificamente como ambos os grupos utilizam a retórica do “direito à escolha” da mulher. Ambos liberais sexuais e reprodutivos têm investido em um antigo discurso liberal sobre a escolha com um conteúdo novo e supostamente feminista. Os liberais sexuais estão inconfortáveis em focar as mulheres como objetos e vítimas da supremacia masculina. Eles invocam uma linguagem de ir “além” das maneiras nas quais os homens objetificam, exploram e vitimizam mulheres (não a qualquer realidade de como mulheres sobrevivem por causa de suas ligações com outras mulheres, no entanto). Eles teriam-nos a tomar um “grande passo a frente” nas formas pelas quais as mulheres são agentes de, por exemplo, seus status na pornografia ou seus papéis enquanto representantes de reprodução. Raciocinando que porque as mulheres escolhem a pornografia ou a maternidade por substituição, eles argumentam que as mulheres precisam dessas “escolhas” para serem livres."




Janice Raymond, Liberalismo Sexual e Reprodutivo

Para ler o texto todo traduzido, clique em http://delivreacesso.wordpress.com/2012/02/06/liberalismo-sexual-e-reprodutivo/

Acho um bom texto para pensar a história de "agência" que agora, pelo que parece, está de moda nos escritos acadêmicos, e principalmente no feminismo de 3a onda e em nossas práticas.

Chego a pensar que o único feminismo que pode existir no capitalismo é aquele mais próximo da utopia "democrática" capitalista-liberal, onde tudo que fazemos é escolha e responsabilidade individual, liberdades aqui lidas como "consumo" pessoal. Neste sentido, propostas supostamente alternativas ou que até mesmo se reivindicam "radicais" como o queer, são facilmente assimiladas.

O problema é que, esse poder de definição da realidade descansa num privilégio de classe... quem define a realidade feminista de agora assim são feministas brancas e de classe média. Quem não tem privilégio de classe e cor não se privilegia tanto dessa história de agência. Privilegia quem está inserido neste capitalismo contemporâneo "democrático", e que pode consumir sua liberdade de mercado, exercer suas identidades privadas, etc. Mesmo assim coletivamente, qualquer um@ pode pensar que essa história beneficia a tod@s. Afinal o trabalhador não é coagido por algumas pressões institucionais e discursivas, a pensar que é explorado pelo patrão porque escolheu e que essa relação é igual, e que as classes sociais existem porque algumas pessoas simplesmente possuem mais dinheiro que você e isso é aceitável?

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